por Ana Luísa Rocha
As páginas que sobravam de seus cadernos ao fim do ano letivo do ensino fundamental. Foram elas que estabeleceram a ponte para que a arte do campinense Michael Souto Silva, artista visual, músico e designer gráfico de 33 anos, viesse ao mundo real em grande sinestesia.
Em pouco tempo, as pequenas páginas foram substituídas por grandes murais, onde Mike Souto passaria a revelar a sagacidade do seu fazer artístico. Após preencher as paredes com suas narrativas, o artista podia enxergar a história que estava presente naquele trabalho.
“Depois, quando eu olhava no final do mês, via que os desenhos falavam sobre o meu humor melancólico… foi nesse momento que percebi como tirava coisas de mim para colocar nos desenhos. Parecia um diário, parecia um mapa para dentro de mim.”
Com referências em filmes de horror, seres mitológicos, das obras de Tim Burton e Guillermo del Toro, Mike construiu um bestiário tão singular que impressiona aqueles que não estão dispostos a apreciar a genialidade do artista. Inspirações que influenciaram na produção de seus autorretratos: “Eu me desenhava muito, mas com aquela pegada cadavérica e obscura, que é como eu me vejo hoje. Não em relação à aparência, mas a uma persona”, diz Mike.
Processos e hibridismos
Sobre a construção de seu fazer artístico, conta que assistir o filme biográfico de Frida Khalo também lhe inspirou a fazer os autorretratos. Inseria em seu trabalho as características que não gostava em seu próprio corpo. A partir disso, viveu um processo de autoaceitação e passou a criar personagens baseados nos atributos que carrega consigo: “Os meus desenhos sempre tem traços meus”, conta. E foi assim que ele estabeleceu uma identidade estética visual para seu trabalho.
Com diversidade de materiais e técnicas, com lápis grafite, caneta esferográfica e pintura em aquarela, suas obras foram lhe guiando para algumas oportunidades. Em 2014, Mike foi convidado para expor, pela primeira vez, em um projeto chamado Pequenos Formatos, organizado pela galeria Art7, que tinha o propósito de movimentar o comércio artístico de Campina Grande.
Pouco tempo depois, participou de uma chamada para a Revista Sanatório Geral, de São Paulo, numa edição que trazia como tema… a loucura! O desenho que enviou foi selecionado. “Meu trabalho se encaixava muito bem naquele cenário, sempre há esse contorcionismo”, comenta o artista.
Durante a pandemia de COVID-19, decidiu participar de chamadas de editais que pudessem elevar seu trabalho a um nível ainda mais profissional. Foi selecionado para o Salão Paraíba e para a FLIC – Feira Literária de Campina Grande no ano de 2021.
“Estou mais focado nos editais de um tempo pra cá, o restante da vida foi fazendo arte porque estava dentro de mim; e eu precisava botar isso para fora de alguma forma, extravasar sentimentos. Agora quero a combinação das duas coisas”.
Além dos desenhos e pinturas, Mike sentiu o desejo de produzir algo mais palpável e decidiu fazer esculturas dos seus singulares desenhos. Para ele, isso trouxe a possibilidade de transformar seus personagens bidimensionais em criaturas, o que lhe possibilita melhorar suas técnicas artísticas à medida que aprende a dar existência tridimensional à insanidade narrativa de suas obras.
A produção artística de Mike Souto em múltiplas técnicas e narrativas - Fotos: Mike Souto
Mike busca romper com padrões no meio artístico. "Quando eu desenho uma mulher trans ou, um personagem com gênero indefinido, por exemplo, eles são vistos como transgressores desses padrões", afirma ele. Os desenhos que produz mostram que há graciosidade no romper dos ciclos da vida e anunciam que todos os corpos precisam ser celebrados, pois há beleza no caos e na nudez crua.
Das telas aos acordes
Além das inspirações visuais, o artista conta com a música como companheira de criação. Imerso aos acordes de canções orientais, um elo intenso com o que ouve se constitui referência para o processo de criação de personagens que se assemelham a entidades religiosas, com características sobre-humanas.
Aliás, a música é também um de seus talentos. Durante cinco anos, Mike foi vocalista do “Mike Souto e o Trio HC”. O grupo composto pelos músicos Breno Felipe, Igor Fernandes e Renato Barbosa, tocavam clássicos do jazz, soul, R&B, Nova MPB, passando por artistas como Alicia Keys, Amy Winehouse e Tulipa Ruiz, que se consagra como sua cantora brasileira favorita. “Eu queria só tocar músicas em que eu tivesse um laço afetivo; queria de alguma forma passar para as pessoas as emoções que a música me passava”.
Arte não é feita para ser somente bonita, é feita para fazer com que as pessoas sintam algo e é este o propósito da vida artística de Mike Souto, que equilibra a peculiaridade das características de seus desenhos com o encanto de celebrar corpos, pessoas e ideias reais.
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Produção: Ana Luísa Rocha
Entrevista: Eduardo Gomes
Editor de Texto: Eduardo Gomes
Editora-Chefe: Ada Guedes
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