Nascido em Barbalha, no estado do Ceará, o Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Campina Grande, Antonio Dias, escolheu como morada a cidade paraibana Campina Grande. A Rainha da Borborema inspira o ilustrador e quadrinista na criação de conteúdo para o perfil A Baixa da Égua, que tem arrancado gargalhadas de seus seguidores. Ao contar a saga de Delmo, um gato de personalidade forte, e de Bartô, um pombo desleixado, Dias retrata como poucos as alegrias e os infortúnios de ser campinense.
Em entrevista ao Campina Cultural, Antonio Dias fala sobre seu processo criativo, percorrendo pelo uso de animais como personagens nas tirinhas e de sua produção artística que reforça sua bem-humorada nordestinidade.
Leia a Entrevista:
Por que o nome A Baixa da Égua? Não sei se vocês conhecem por aqui ou se tem algum lugar com esse nome, mas lá em Barbalha, no Ceará, tem um sítio chamado Baixa da Égua. Eu aprendi que essa expressão é usada no Brasil todo, no nordeste todo! [risos]. Quase todos os estados têm uma "baixa da égua". Além disso, uma das coisas comuns na minha casa era a minha mãe e o meu pai mandarem para "a baixa da égua" quando alguém estava aperreando. Na época que fui escolher o nome, não queria vincular meu perfil pessoal, então mudei e comecei a pensar em várias alternativas. Estava disponível para uso no Instagram e, como é um nome relativamente engraçado, ficou.
Como funciona a construção criativa dos seus personagens? Se eu falar que a personagem da morte usando mocassim foi planejada, estaria mentindo! Alguns deles foram construídos de forma completamente aleatória. Uni o meu ódio por mocassim e pensei na morte e, como a galera gostou, ficou! Já no caso do personagem Romiro, o vampiro, pensei em alguém sem jeito para conversar, envergonhado. Ou seja, foi inspirado em uma pessoa que não tem muito o que perguntar e fala aquilo.
A escolha em representar animais nas tirinhas foi intencional? Foi intencional. Se eu colocasse certas características do Robson, que é um gato debochado e de paciência curta em uma pessoa, seria um personagem qualquer. Quando eu associo tudo isso a um animal, fica mais fácil das pessoas criarem laços com aquele personagem, diferentemente do que seria caso eu os colocasse em um humano. No início pode ter sido algo inconsciente, mas depois fui percebendo essas questões e passei a usar mais animais do que gente.
Como é o processo criativo da saga Delmo e Bartô? Eu já tinha a ideia de fazer uma história mais longa. Acho que comecei Delmo e Bartô em dezembro de 2020, ainda não tinha feito nada tão longo. Criei para mim, para saber como seria meu desenvolvimento fazendo uma história com este formato. Sobre a construção dos personagens, dá pra perceber que eu gosto muito de gatos e pássaros [risos]. A representação de gatos que é feita nos desenhos animados e nas tirinhas é sempre assim: um personagem muito engraçado, que fica de mau humor. Era isso que eu queria passar com o Delmo e Bartô. A forma que eu escolhi representá-los não tem nada de especial. É um gato cinza rajado e um pombo, mas a personalidade que eu queria dar a eles era exatamente esta. Um é bobão e o outro não está nem aí, venha o que vier que ele estará preparado porque não tem muitos planos para nada. Como eu não escrevi um roteiro que especificasse outras características, isto gerou uma certa mistura, na qual um pegou alguns aspectos do outro mas, no final, cada um desenvolveu uma personalidade bem específica.
Os seguidores participam da construção criativa de suas tirinhas? Há comentários que eu levo em consideração na hora de criar. Houve várias sugestões que acabei implantando nas histórias e o engajamento é massa justamente por isso. As tirinhas caíram nas graças das pessoas e elas começaram a tomar partido nas histórias. Os seguidores falam: "Bartô enganou Delmo!", depois "Delmo cancelou o cartão de crédito do Bartô!" e, em seguida, todos vão para o lado do Delmo. Há, também, sugestões que descarto. Apesar de serem engraçadas, não batem com o estilo de humor que escolhi para a tirinha. Quando faço lives no Instagram em que apareço desenhando eu percebo que, caso eu fosse fazer tudo sozinho, não seria tão engraçado como fica com as sugestões dos seguidores.
Que tipo de expressão artística você desenvolveu primeiro? As ilustrações com aquarela e nanquim surgiram antes do meu contato com o digital, porque é mais barato. As vantagens do digital é que, caso erre, você ajusta na hora. Fica mais caro se você for comprar uma mesa digitalizadora ou um tablet para desenhar. Antes eu fazia tirinhas com nanquim, digitalizava e ajustava o que estava errado. Dava muito trabalho, por isso acabei desistindo e comprei uma mesa digitalizadora mais baratinha, para iniciantes. Foi quando eu fiz as primeiras tirinhas que postei lá no meu perfil, inclusive, algumas eu refiz e arquivei, mas acho que eu deveria deixá-las lá.
Em uma das suas tirinhas você manteve os comentários desativados. Por quê? O teor político influenciou? Foi a tirinha do Jair Bolsonaro, na época da polêmica do SUS [decreto presidencial envolvendo questões de privatização]. Foi a única que desativei justamente porque me fez muito mal, fiquei nervoso e com medo. Apesar de saber que não sou analfabeto, que sei ler criticamente, as pessoas dizem muitas coisas negativas e isso me afeta. Só tendo uma boa autoestima ou coro de boi para suportar. Houve uma chuva de comentários, estava horrível de ler e por isso desativei. Eu não lembro se deixei desativado ou ativei novamente depois.
Há uma versão em inglês do seu perfil. Como é traduzir aspectos tão peculiares da nossa cultura? O perfil em inglês não foi criado com o intuito de traduzir, mas de publicar outras tirinhas que não faziam muito sentido em nossa língua. Há piadas em inglês que não fazem muito sentido em português e vice-versa. No sentido de tradução, quando faço uma tirinha com alguma expressão muito peculiar daqui, termino não traduzindo ou escolho algo muito parecido. É isso! A tradução é usada geralmente quando faço algo mais próximo de ser compreendido nas duas línguas. Nem sempre é possível traduzir a piada e, às vezes, traduzo porque tem pessoas que acompanham a página e só falam a língua inglesa.
Quem são as suas influências nos quadrinhos? Gosto de muitas páginas de trabalho no Instagram. As principais influências são os perfis do Paulo Moreira, J.L. Westover, Simon Hanselmann e também o War and Peas.
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Entrevista: Bruna Araújo e Eduardo Gomes
Produção: Ana Luísa Rocha
Supervisão Editorial: Ada Guedes
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