Por Felipe José
Quem deve decidir? Um decide por todos, ou todos decidem por um? Mas decidir o quê? Um nome? Coletivo ou Companhia? Um texto? Teatro precisa de texto? Que texto? Velho ou novo? Clássico ou moderno? Regional ou estrangeiro? Quem deve decidir? O que deve decidir? Quando deve decidir?
Essas e outras questões são alguns dos dilemas levantados pelo espetáculo "Caravanas (2022)", dirigido por André Sátiro e produzido e interpretado pelos demais membros da Companhia de Teatro Bodopitá. A metalinguagem é uma marca forte do espetáculo: nele, os atores e atrizes interpretam a si mesmos num dia comum de trabalho da Companhia. "Os dilemas enfrentados pelos personagens refletem os enfrentados pelos próprios artistas", é o que revela Anderson de Sá que também faz parte da Companhia.
"Quem é ator? Quem é personagem? É tudo junto? É uma coisa só? Então nosso processo vem justamente desses conflitos que foram gerados dentro de salas de ensaio e que nos atravessavam [...] É uma criação artística conjunta que despe o ator e mostra o que realmente se passa por trás de um espetáculo teatral."
(Quase) Duas décadas de história
Não é a primeira vez que os trabalhos da Bodopitá falam sobre arte, sobre ser artista ou sobre o fazer teatral. O primeiro espetáculo da Companhia, "Incelênça", já trazia consigo esses temas ao narrar a história de Seu Olimpo do Rosário, um artista popular interpretado por Chico Oliveira.
Foi através desse espetáculo que, em 2004, Chico e Andréa Macera criaram em São Paulo o que então chamariam de Companhia do Rosário. Em 2008, Chico, que é de Campina Grande, retornaria para a cidade onde tentaria dar prosseguimento aos trabalhos da Companhia com outras formações.
Desde então, contribuíram ou passaram por ela nomes como Álvaro Fernandes, Arthur Velázquez, Claudette Reis, Duílio Cunha, Napoleão Gutemberg, Regina Albuquerque entre outros artistas.
"A Companhia é formada dessas entradas e saídas, às vezes para trabalhos específicos, às vezes por necessidade de componentes para aumentar os integrantes da Companhia."
É o que conta André Sátiro. Ele mesmo só entrou em 2016, numa substituição de elenco para uma nova montagem do espetáculo "O Príncipe Feliz". A peça montada originalmente em 2014 narra a história de um menino que os pais, super protetores, insistiam em manter preso dentro das muralhas de um palácio.
A partir de 2019, a Companhia dá inicio a um processo de reestruturação que só viria a se consolidar em 2021 com o estabelecimento de uma nova identidade visual e do nome que tem hoje: Bodopitá. É o mesmo nome de uma Serra que se estende pelas cidades paraibanas de Queimadas e Fagundes, na qual se localiza a famosa Pedra de Santo Antônio.
A reestruturação nasce de uma necessidade prática de se profissionalizar, criando normas e diretrizes; e de arrumar a casa no âmbito jurídico, estabelecendo um CNPJ e arrumando documentações. Além disso, o nome Companhia do Rosário representava um ruído de comunicação pois dava a entender que o grupo teria ligação com a Igreja do Rosário de Campina Grande, o que não era o caso.
Dezoito anos após seu nascimento, a Bodopitá Companhia de Teatro hoje é formada por um grupo de oito artistas: Chico Oliveira, Joana Marques, André Sátiro, Oscar Borges, Anderson de Sá, Futura Leonardo, Emília France e Elio Penteado.
Trabalho em três núcleos
Ao longo dessa história, a Companhia se estabelece em torno de três núcleos de atuação: o teatro, a palhaçaria, e o teatro playback.
O núcleo de teatro propriamente dito abarca as várias possibilidades de pesquisa que esse campo pode oferecer. Seja a montagem e releitura de textos ou a pesquisa sobre um autor ou âmbito teatral específico. É o caso, por exemplo, da peça "aH-Mar (2012), parceria com o Núcleo de Pesquisa e Experimentação Teatral (PINEL), que faz uma releitura da tragédia grega "Agamêmnon" de Ésquilo, ou ainda, do projeto "Um texto para dois".
O projeto realizado entre abril e agosto de 2021 foi constituído de lives realizadas através do Instagram. Em cada apresentação, um membro da Companhia recebia um artista convidado para ler e discutir trechos de peças como "As velhas", de Lourdes Ramalho; "Mercedes", de Paulo Vieira Melo; "A verdadeira história de João Pixote e Chico Lança", de Francisco Solano; entre outras.
Já a palhaçaria dentro da Companhia surge através de uma experiência pensada para comemorar 10 anos de existência. Quem conta essa história é Emília France, que já fazia parte do grupo desde aquela época:
"Foi aí que a gente pensou em convidar Andréa Macera, a fundadora com Chico em São Paulo, para fazer uma imersão aqui em Campina Grande. Então nós locamos uma casa e fizemos essa imersão de nove dias [...] E aí, surgiu o espetáculo Concerto sem Conserto (2016). A proposta era fazer a imersão e construir um espetáculo para fazer parte desse repertório."
O terceiro núcleo é também o mais diferente para aqueles que não estão familiarizados com as linguagens do teatro. O playback, de forma resumida, é uma mistura de teatro de improviso com contação de histórias, em que uma pessoa da plateia é convidada a contar uma história pessoal que será então interpretada pelos atores em cena a partir dos direcionamentos de um condutor.
Na Bodopitá, esse núcleo ganha destaque no espetáculo "Teatro Playback (2019)". Quem atua no papel de condutor é Chico Oliveira, que se especializou nessa forma de teatro na época em que ainda morava em São Paulo.
O quarto núcleo
"Todos nós gostaríamos de viver só da arte, mas não é possível". É com essa frase que Elio Penteado começa a explicar as dificuldades de ser artista e, mais especificamente, de fazer teatro em Campina Grande.
A frase é reveladora: sugere que os três núcleos de trabalho não são o suficiente para se manter e manter a Companhia. Todos os artistas precisam desempenhar atividades por fora, é um quarto núcleo que não deveria existir.
Os editais de fomento à Cultura ajudam e sempre que possível a Bodopitá tenta guardar em caixa parte do dinheiro que entra para investir na própria Companhia. No entanto, a política cultural ainda é muito cruel, falta investimentos e sobra desinteresse por parte do público. Sobre isso, André Sátiro complementa:
"O que acontece, na verdade, por trás, nos bastidores, é que muitas vezes esses espetáculos são bancados com nosso próprio dinheiro. A gente tira do nosso bolso para mandar fazer cenografia, figurino, pagar profissionais que nos ajudam. Então, muitas dessas produções acabam saindo do nosso próprio bolso e a gente, literalmente, paga para trabalhar."
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Texto: Felipe José
Entrevista e Produção: Felipe José
Editor de Texto: Eduardo Gomes
Diretora de Redação: Ada Guedes
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