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"A força está no coletivo", diz Flávio Guilherme, articulador da FCC

Em meio à escassez de eventos presenciais associados à desinformação e ao agravamento da pandemia de COVID-19, a Frente Campinense de Cultura (FCC) atua em Campina Grande na luta por direitos sociais da classe artística da cidade. Esta rede cultural promove ações que vão desde o diálogo com a gestão municipal até a arrecadação de alimentos para distribuição de cestas básicas.


Para conhecer mais sobre a realidade que se encontra a FCC e sua luta, o Campina Cultural entrevista um de seus articuladores, Flávio Guilherme. Atento para os desafios impostos pela pandemia e crítico ao veto do Projeto de Lei Estadual Zabé da Loca, Flávio acredita que as barreiras sociais e econômicas do setor cultural só serão superadas com políticas públicas permanentes de incentivo à cultura.

Flávio Guilherme, articulador da Frente Campinense de Cultura
Flávio Guilherme, articulador da FCC - Fonte: acervo pessoal

Satisfeito com o atual modelo de diálogo entre a Secretaria Municipal de Cultura e os artistas locais, o ativista defende a integração da classe artística em um processo contínuo de descentralização da gestão que permite, em sua visão, desburocratizar o setor. Leia os principais trechos da entrevista:


O que motivou a criação da Frente Campinense de Cultura? Quando começou a pandemia eu percebi que os artistas, principalmente em Campina Grande, não tinham um local para convergência, para uma comunicação mais fluída e eficaz. Então, o maior objetivo naquele primeiro momento foi conhecer, na verdade, a quantidade de pessoas que compunha essa classe artística.


Como a Frente Conseguiu localizar os artistas que não dispunham de canais de comunicação? Primeiro nós reconhecemos que muitos artistas não tinham acesso às mídias sociais, não possuíam sequer um celular ou tablet. Muitos não tinham perfis no Instagram ou alguma rede social que pudesse dar visibilidade à sua arte. Durante este processo surgiu a ideia de juntar artistas em um grupo de WhatsApp. Tentamos falar com estas pessoas por meio de algum irmão, mãe, pai ou filho que pudesse entrar neste grupo e repassar as informações para estas pessoas.


Foi um trabalho difícil, mas foi bem surpreendente. Em pouco tempo nós juntamos uma quantidade muito grande de artistas de diversas formas de arte. De certa forma, essa força [a Frente] surge a partir daí, quando os artistas começam a ver esse trabalho colaborativo, em que cada um vai dando as mãos, oferecendo seu conhecimento e fortalecendo o outro.


Vocês conseguem identificar quais grupos de artistas campinenses estão mais vulneráveis, durante a pandemia, ao acesso de benefícios emergenciais para o setor? Eu cito três grupos. O primeiro grande problema era a desinformação. Para mim, foi fundamental perceber que, dentro desse grupo maior que nós tínhamos, muitos artistas ainda eram consumidos por fake news. Não tinham condições de entender o que estava acontecendo com a classe artística. Isso é realmente complicado.


Depois chegamos naqueles que são desprovidos da condição humana de existir, que é a falta do alimento, do vestir e do morar. São as questões mais básicas e essenciais que a pessoa precisa pra viver. E aí nós percebemos um terceiro grupo. É aquele que tem a condição de vida, que tem conhecimento, mas não é coletivo, ele é individual. Ele não se permite ser coletivo e nem se abre a esse coletivo. [...] Abandonam as pessoas à própria sorte e à própria dor, porque se acham e se julgam privilegiados.


Às vezes eles são cativados por uma facilidade, pensando que vai durar ad eternum e não dura! São pessoas que, às vezes, recebem cargozinho político rápido. Sabemos muito bem como funcionam essas trocas e como elas sacrificam a identidade cultural de cada um. Existe muito isso no meio. Não estou falando de algo que acontece apenas aqui na cidade, estou falando no geral, no Brasil inteiro.


Flávio Guilherme, articulador da Frente Campinense de Cultura
Flávio Guilherme como jurado do programa "Artistas: revelando talentos", o qual também é produtor - Fonte: acervo pessoal

Houve dificuldades para promover vozes uníssonas entre grupos culturais tão distintos? Antes das ações da Frente, cada um cuidava do seu próprio espaço, daquilo que queria conquistar e, talvez, até com medo de dividir. Estávamos desacreditados que as coisas pudessem funcionar, que pudessem beneficiar o conjunto e não apenas alguns. Vejo que, com essa pandemia e com a FCC, todos começaram a perceber a grandeza do coletivo.


A grande força da Frente foi perceber enquanto povo, enquanto grupo de artistas, a nossa força com poder de voz. Em seguida a este processo, veio a Lei Aldir Blanc. Conscientes desta força, começamos a promover os diálogos, iniciando com os candidatos a prefeito [durante a eleição municipal de 2020].


Como você viu o atraso na aprovação da Lei Aldir Blanc? É interessante porque eu lembro de muitos planos políticos, inclusive o que ganhou as eleições para Presidência da República [Jair Bolsonaro], que era tentar minimizar o papel da cultura, mostrando que investimento em cultura não era importante. E a gente vê a pandemia mostrar o contrário.


A Lei Aldir Blanc deve ser um ato contínuo, não deveria ser algo emergencial. Porque sabemos como cada um conseguiu produzir, mesmo com as limitações técnicas e dificuldades para marcar ensaios. Sobre isso, vale agradecer à gestão dos espaços que foram bem sensíveis, principalmente do Centro Cultural [Lourdes Ramalho] e o pessoal da FUNESC que, mesmo com o lockdown, liberou os ensaios para que não parássemos as produções e com todos os cuidados que se precisa ter, é claro.


Lei Aldir Blanc. Campina Cultural
O auxílio emergencial para os trabalhadores e trabalhadoras da cultura foi prorrogado e o setor cultural aguarda o lançamento de novos editais - Foto: Reprodução/Lei Aldir Blanc PB

Mas, acima de tudo, temos que ter a sensibilidade de perceber que arte é fundamental. Sabemos que os teatros estão fechados e que vai demorar muito para conseguirmos fazer um show, muito! Sabemos que vai demorar ainda, pelo menos um ano para que as coisas voltem a funcionar. Talvez, Não sei! não consigo nem ver as coisas como eram antes.


Assim, nós percebemos o quão prejudicado o artista foi e está sendo neste processo. Em vez de focar na Aldir Blanc, que sejam outras leis que possam dar condição ao artista, que possa dar dignidade e, sobretudo, para que o artista possa continuar professando sua arte.


Quanto ao Projeto de Lei Estadual Zabé da Loca, qual é a percepção em relação ao veto ao Projeto? Olha, é muito triste quando um projeto de lei que visa beneficiar o setor cultural sofre qualquer tipo de veto. É triste porque percebemos que nossos políticos nem sempre visam o bem comum. Acredito que, em momentos como este, é como se morrêssemos um pouco, sabe? É como se nós enfraquecêssemos.


Eu digo isso porque até na Lei Aldir Blanc nós ficamos surpresos com a quantidade de impostos que tivemos que pagar. Muita gente não tem esse conhecimento. Há pessoas que chegaram a fazer esse projeto contando com todo o dinheiro que estava prometido ali, tim-tim por tim-tim para pagar as pessoas. A pessoa contratou com tudo fechadinho. Quando recebeu o dinheiro, recebe a menos.


Há algum caso que possa exemplificar? Cito o caso da Aldir Blanc, do Edital Prêmio Lourdes Ramalho. Uma vídeo-biografia em que o valor era de R$ 20 mil e o pessoal recebeu R$ 14,5 mil. Ou seja, veio descontado R$ 5,5 mil. Imagine a surpresa que as pessoas tiveram. Elas fizeram um orçamento bem fechadinho e, de repente, vem um desconto muito grande. Frente a estes descontos nós perdemos de ajudar, financeiramente falando, bastante esses artistas.


Pra mim, o Projeto de Lei Zabé da Loca, não é uma lei emergencial, mas um projeto cultural que tem toda condição de existir e de coexistir. Não vejo o porquê de tirar uma coisa por outra, entendeu? Eu acho que as duas coisas podem caminhar juntas.


Por exemplo, quando a Lei Aldir Blanc foi lançada, eles disseram que as pessoas que receberam o auxílio emergencial não poderiam participar do pedido de auxílio cultural. Eu já penso diferente, até porque estes auxílios são, geralmente, valores bem baixos. Nós sabemos que não dá para viver com um auxílio de R$ 600, por exemplo.


Identidade Visual da Frente Campinense de Cultura.

Em dezembro de 2020 a Frente lançou uma carta aberta ao recém-eleito prefeito, Bruno Cunha Lima, na qual o grupo mencionou as expectativas sobre a gestão e reforçou as necessidades da área cultural. As negociações caminharam? Ele [Brunho Cunha Lima] se mostrou receptivo desde sempre. Lembro que assim que a carta ficou pronta, ele tinha acabado de ser eleito. Quando a gente falou sobre o documento, ele perguntou: - "Como é a relação de vocês com a Giseli? [Secretária Municipal de Cultura]". E eu disse: - "É ótima! Giseli é artista como nós, sensível a essa questão e está aberta". Na oportunidade, ele respondeu: -“Vocês conseguem lidar sobre carta com Giseli? Porque aí eu consigo deixar isso resolvido sem precisar da minha presença".


Eu achei muito bacana. Gostei porque o pouco que eu entendo de administração pública, é que o gestor principal também precisa mandar para os gestores imediatos determinadas pautas.


Você prefere, então, uma gestão descentralizada da cultura? É! Eu amo a descentralização porque percebo que fortalece o coletivo. Ela possibilita que as pessoas possam tomar as suas próprias decisões dentro do processo. Giseli [Sampaio] recebeu a carta, mostrou os pontos que ela sabia que não poderiam ser alterados, que não dependiam só da gestão dela. Eu gostei exatamente por isso! Ela não recebeu só a carta, ela nos recebeu. Conversou com a gente, para falarmos sobre os erros de outra administração, inclusive.


A carta foi construída para passar uma mensagem para o gestor, de modo a garantir a atenção, a assistência e o nivelamento para todos os segmentos artísticos. Porque toda arte é importante. Só penso que é importante uma visão de gestão que evite privilegiar um segmento e, em vez disso, possa abranger todos. É o que eu tenho visto Giseli fazendo. Tenho visto ela recebendo todos, atendendo a todos dentro das possibilidades e limitações que esse período da pandemia está possibilitando.


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Entrevista: Eduardo Gomes

Produção: Bruna Araújo e Ana Luísa Rocha

Supervisão Editorial: Ada Guedes

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