''Eu dou aula de capoeira e sou filho do terreiro de São Vicente Mariano, um tatalorixá. Um dos mais antigos da Paraíba!''. Recordando sua ancestralidade, é assim que Evaldo Batista dos Santos se identifica. Cria da Pedreira do Catolé, o contramestre apelidado de ‘‘Mestre Morcego’’, traz consigo histórias de vida que o consagram como um dos grandes personagens de nossa cultura popular e dos movimentos negros da Paraíba.
O capoeirista gosta de falar sobre a infância, na qual brincava pendurado - ou, como bem lembra, "pegava morcego" - nos veículos que perambulavam pelas ruas de Campina Grande. A brincadeira de criança foi o que motivou a origem de seu apelido, que repercutiria ao longo de toda a sua vida. ‘‘O povo me chama mais de morcego do que de Evaldo’’, diz ele em tom bem humorado.
Evaldo também relembra dos momentos em que optou por seguir outros caminhos.
Ingressou brevemente no curso de História, buscando aprimorar seu conhecimento sobre o passado de seu povo e de seu país. Entretanto, sua euforia foi minada pela falta do sentimento de brasilidade encontrado no início de sua jornada acadêmica.
Em seguida, considerou a ideia de continuar seus estudos fora da universidade, tomando a inesperada decisão de estudar teologia para futuramente se tornar padre. Uma ilusão, como o próprio Evaldo afirma. O capoeirista acabou se formando em Letras pelo Centro de Estudos do Norte do Paraná (UNOPAR), em Campina Grande, mas assume: é a cultura popular que faz seu coração bater mais forte.
A dança, o jogo e a magia
A capoeira entrou em sua vida aos nove anos de idade, mas foi apenas aos 18 que a prática conquistou seu interesse e dedicação. Completando 25 anos como capoeirista, o contramestre sempre se mostrou atraído por manifestações da cultura afro-brasileira. Este fascínio e entusiasmo, resultou na idealização de eventos como Coco no Quintal, Calçada Cultural e Sexta Negra, reunindo alunos praticantes e mestres da capoeira, assim como grupos de samba de coco e de terreiro. E que alegria! Sentir o ânimo de todos unidos através do canto, da música e da alma.
São mais de 22 anos ministrando aulas de capoeira pelos bairros de Campina Grande, e em escolas municipais. Principalmente através de um dos maiores projetos culturais e educativos do Brasil, o Capoeira nas Escolas. Evaldo é um dos grandes defensores da prática da capoeira na vida de jovens e enfatiza constantemente os benefícios proporcionados por ela. Aproximadamente 40 mil jovens experienciaram o impacto dos projetos e ações realizadas por Evaldo. Esse número expressivo reflete no riso de orgulho que toma conta de sua face ao falar sobre isso.
Por que que ela é dança? Porque precisava ser escondida dos nossos opressores. Por que que ela é jogo? Porque precisava ser ensinada ao meu camarada. É um ato de resistência e de luta sem que os nossos opressores entendessem o que a gente estava fazendo. Por isso a capoeira tem toda essa magia, afirma Evaldo.
Williams Lima Cabral foi um de seus alunos mais antigos, em meados dos anos 2000, no bairro Tambor, recebeu ensinamentos de Evaldo e hoje declara, já adulto, que nunca os esqueceu. Durante as aulas, o então estudante aprendeu percussão afro-brasileira com os batuques do samba de roda, maculelê, capoeira e barravento. Evidenciando a abundante experiência do contramestre, o sentimento de admiração é o que prevalece sobre a perspectiva daquela criança que cresceu compreendendo a importância de sua luta. ''Destaco sua prática de sempre conversar depois das aulas de capoeira, despertando o senso crítico e denunciando o racismo'', afirma Williams Cabral.
O ativismo e o preconceito
Como palestrante, o capoeirista fez parte do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) da Paraíba. Marcou presença na Semana de Combate a Intolerância e ao Racismo, realizada em 2017 por instituições de ensino superior. Ativista nato, Evaldo dedica parte de sua vida à luta por garantia dos direitos da população negra, comunidades de terreiro e quilombolas no estado da Paraíba. Com seu trabalho e religiosidade sendo alvo de atos discriminatórios, afirma que essa realidade serve de motivação para a persistência de sua luta.
Evaldo também reforça a importância do combate ao racismo estrutural, institucional, e da presença e estímulo de discussões raciais, culturais e sociais para além da universidade. Antes mesmo da própria comunidade compreender os efeitos causados por anos de políticas de exclusão e genocídio da população negra, suas vidas são interrompidas na prontidão de um disparo. ''Eu estou falando para um outro professor que conhece, para uma turma que já está por dentro, e quem está morrendo é a periferia!'', afirma Evaldo.
A história nos engana, diz tudo ao contrário, até diz que a abolição aconteceu no mês de maio. A prova que isso é mentira é que da miséria eu não saio, viva vinte de novembro, momento pra se lembrar. Não vejo em treze de maio, nada pra comemorar, muitos tempos se passaram e o negro sempre a lutar. Evaldo canta trecho da canção Rei Zumbi de Palmares, do capoeirista e musicista Mestre Moraes.
Morcego reconta a história do seu povo com falas carregadas de denúncia e honradez às suas raízes. Indica a ignorância como ponto de partida para o fortalecimento da mistificação que envolve a identidade cultural da população negra. Evaldo simboliza a existência e resistência da negritude que luta e que ocupa seus espaços como indivíduos livres e, por fim, como gente!
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Texto: Bruna Araújo
Entrevista: Eduardo Gomes e Bruna Araújo
Produção: Ana Luísa Rocha Aragão
Supervisão Editorial: Ada Guedes
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