A presença cotidiana do dinamismo virtual tem provocado grandes mudanças de hábitos e o da leitura é um deles. Está em vigor uma espécie de poder normativo da leitura em fragmentos, uma prática que consiste no acesso rápido de conteúdos factuais, mas é capaz de causar falta de concentração e mesmo prejudicar o tipo de leitura mais atenta e prolongada como a de um livro.
É o ímpeto de cativar o hábito da leitura na vida dos campinenses que faz a Academia de Letras de Campina Grande promover ações e eventos nesse sentido. Com mais de 40 anos de história, a ALCG se tornou essencial para o incentivo à produção literária local, promovendo encontros e levando os autores paraibanos ao conhecimento da população.
Neste dia 23 de abril é comemorado o Dia Mundial do Livro e o Campina Cultural conversou com Thélio Queiroz Farias, advogado, presidente da ALCG e autor de 17 livros. Apaixonado por literatura, Thélio sustenta o ideal de reconhecimento dos autores locais e defende que estes trabalhos deveriam compor a base curricular no estado da Paraíba.
Confira os principais trechos da entrevista:
Qual é a importância da literatura no mundo de hoje, na formação da subjetividade humana e na constituição de uma sociedade? A literatura é essencial para a construção de uma nova sociedade porque a literatura se confunde com a própria humanidade. Na literatura são reveladas as dores, as angústias, as alegrias, as tristezas do ser humano. Então, sem literatura não se pode ter humanismo e sem humanismo não há uma sociedade justa, correta, e principalmente, avançada.
E como a Academia de Letras de Campina Grande contribui com isso? A Academia é uma instituição tradicional, com mais de 40 anos e que tem contribuído especialmente com o desenvolvimento e o apoio da literatura local e do estado da Paraíba. O objetivo é contribuir com a sociedade, com a escola pública, divulgar e difundir os autores locais e os paraibanos. O que a gente quer é levar às escolas, os livros que discutem a Paraíba, que discutem Campina Grande. Temos alguns autores que ficaram conhecidos e representaram nossa cidade e nossa região, mas precisamos de mais.
A academia tem promovido várias ações, tem participado das feiras literárias, tanto da FLIC, em Campina Grande, como da Festa Literária de Boqueirão (FLIBO) há mais de dez anos. Participa de ações em Areia, Cabaceiras e em toda a Região Imediata de Campina Grande e até mesmo na capital. Temos nomes fantásticos aqui em Campina Grande, como: Jurani Clementino, Valéria Xavier, Bruno Gaudêncio, Edmilson Rodrigues, Bruno Oliveira, José Mário da Silva, Elizabeth Marinheiro e tantos outros.
E o reconhecimento desses autores, como tem acontecido? Recentemente, para nossa felicidade em Campina Grande, Christiano Aguiar lançou o livro Gótico Nordestino que vem recebendo aplausos da mídia nacional. Já foi objeto de matéria na Folha de São Paulo, Estadão, na revista Continente de Pernambuco e em outros órgãos de imprensa. É um autor jovem mas vem se consagrando na literatura nacional.
Outro exemplo é Bruno Ribeiro, jovem residente em Campina Grande que ganhou o prêmio Machado, da Dark Side e a editora publicou seu livro Porco de Raça, uma obra fantástica. Ele ganhou um prêmio também com uma reportagem jornalística para a editora Todavia. Nós temos grandes nomes, a Paraíba tem essa tradição que vem de Augustos dos Anjos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Ariano Suassuna e tantos outros.
Então, o que a gente quer é difundir o autor local e colocar esse esses livros na escola pública como base curricular. Mas para isso, precisamos do apoio do poder público, das prefeituras e do estado. Nossa história, cultura e tradições têm que ser contadas por um de nós.
Como é possível realizar uma mediação adequada para formação de novos leitores? Para isso, precisamos de apoio maior do poder público estadual e federal. Mesmo assim, a Academia tem feito sua parte, não só para o público infantil, como também para o público adulto. Em época de fácil acesso à internet, a serviços de streaming, é preciso apresentar a leitura como algo prazeroso. O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que devemos sentir prazer na companhia do livro. Para isso, pode ser o tipo de escrita que cause identificação, pode ser romance, biografia, literatura de ficção.
O importante é que se incentive o hábito de leitura em qualquer idade, em qualquer época e em qualquer local. A Academia não deve ficar presa aos espaços acadêmicos, a uma elite cultural. Temos que ir à praça, como dizia Castro Alves, temos que plantar a poesia na praça, o romance no parque, nas ruas, nas avenidas, nas escolas públicas e privadas. Porque é como ressaltara Monteiro Lobato: “um país se faz com homens e livros”.
Quais caminhos seguir para enfrentar as dificuldades de formar leitores? A gente tem tentado seguir por vários caminhos. Milton Nascimento canta que todo artista tem que ir onde o povo está. E o escritor também, tem que ir na escola discutir, tem que debater nas praças, nas arenas, nos shows musicais. Os livros, as histórias se entrelaçam com várias outras manifestações culturais, como a música, com a arte visual. Recentemente o prêmio Nobel do Bob Dylan confirmou isso.
A posse de Gilberto Gil na Academia Brasileira de Letras também reafirma isso. Então, música, literatura, artes plásticas tem tudo a ver entre si, porque são formas de expressão do humanismo. A literatura nos faz acima de tudo sonhar, acreditar e com esse sonho nos leva a lutar por um mundo melhor, um Brasil melhor, um nordeste melhor, uma Paraíba melhor e uma Campina Grande melhor.
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Entrevista: Ana Luísa Rocha
Produção: Ana Luísa Rocha e Eduardo Gomes
Supervisão Editorial: Ada Guedes
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